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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

P95 - Debate sobre a guerra colonial na Guiné, programa dirigido pela jornalista Diana Andringa, com ex. Alf. Mil. A. Marques Lopes (CART 1690 - 1967/69) actualmente Cor. na reforma, entre outros na RTP2

Em 2003 eu e o Cor. A. Marques Lopes  trocamos uma série de mensagens referentes à Guiné nomeadamente sobre as várias operações em que o coronel, na altura 1967/69 alferes, da CART 1690, participou. Também tem participado e dado o seu contributo na temática da guerra colonial, em vários programas televisivos, nomeadamente num debate que passou na RTP 2, "Artigo 37"  juntamente com Luís Cabral, ex. combatente do PAIGC e também ex. presidente da Guiné Bissau, entre outros, moderado pela Jornalista Diana Andringa, que também é autora desse mesmo programa.

Debate sobre a Guerra Colonial, FEV 2001 (Diana Andringa) RTP2

SC

Fotos: Cor. A. Marques Lopes, direitos reservados

Amigo Marques Lopes (Banjara) cumprimentos.
Depois de ter lido os relatórios das várias OP que me mandou, chego à conclusão que o amigo participou num programa do canal 2 da RTP "artigo 37" apresentado pela jornalista Diana Andringa, juntamente com Luís Cabral entre outros. Vi-me obrigado a visionar de novo esse programa para confirmação. No que diz respeito aos relatórios, que me mandou, são documentos para mim muito valiosos, costumo guardar tudo que se relacione com a guerra colonial da Guiné que, para além das situações que passamos nunca esqueceremos essa fase da nossa vida, acho até que devem ser divulgadas, não é saudosismo da minha parte, mas sim um marco da nossa História em que os governos deveriam através das escolas dar a conhecer essa dura realidade. Por mim pode continuar a mandar DOC
António Castro   





Caro António Castro,

é verdade que participei nesse programa da Diana Andringa, creio que em Fevereiro de 2001 (se bem que o programa só foi transmitido mais tarde, já depois de eu passar à Reforma Extraordinária, em 8 de Março de 2001).

Eu podia não ter dito nada, mas fiz questão de dizer ao General Comandante da Região Militar do Norte que ia participar nesse programa. Foi giro: meteu telefonemas para o Estado-Maior do Exército, autorizações... até que, às 23h00 do dia anterior a eu ter partido para Lisboa para gravar o programa me telefonou o adjunto do General a dizer que sim, senhor, podia participar... Mas eu fiz mesmo questão de dizer à Diana Andringa que estava devidamente autorizado para estar ali... 

Vou-te mandar mais alguns relatórios a ti, mas não os vou pôr já no site do grupo, porque acho que começa a ser demais...


Mata muito densa
Helicóptero 1
Sobre estas operações, Inquietar I e Inquietar II (naquela zona o código das operações começava sempre por I ou por J, era uma regra estabelecida) tenho algumas observações a fazer, pois que participei nelas: a Inquietar I, apesar do relatório, foi um fracasso, pois não conseguiu o objectivo, que era a destruição da base de Samba Culo. A história do ferido referido a 11JUN67 é a seguinte: tratou-se de um soldado da CCAÇ 1689, do capitão Maia, que levou um tiro no bolso onde tinha uma granada de fumos, provocando o rebentamento desta. Tentando apagar o fogo que se ateou nas calças do camuflado com as mãos, ficou com estas totalmente queimadas. Com a única coisa que tinha - manteiga das rações - tentei minorar-lhe o sofrimento. Gritava pela mãezinha e dizia: o meu alferes é tão bom!... Enfim, só visto. A retirada está exemplificada na fotografia que te envio (Retirada): é pessoal do meu grupo de combate, que teve de se apoiar uns aos outros, tal era o cansaço, e porque o PAIGC vinha atrás de nós...
Casa de mato
A retirada
Na Inquietar II, feita já depois de 24 de Junho (altura em que fiquei sozinho na bolanha), conseguiu-se o objectivo: a base de Samba Culo foi mesmo destruída. Vês fotografias das casas de mato e das evacuações por heli, mas, é claro não deu para tirar fotografias no ataque a essa base... Mas há coisas que não vêm relatadas: diz o relator que "Junto a base de patrulhas pelas 14H20, um grupo IN que seguia em coluna por  um, detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um Soldado, pondo-se em fuga  pela reacção das NT. Pelas 14H45 saiu um grupo de combate em patrulhamento  ao longo do R. CANJAMBARI e regressou sem contacto". Não foi assim. O que sucedeu foi o seguinte: o IN encostou-nos ao rio Camjambari, não podendo nós cambá-lo, porque era muito fundo, nem 
Helicóptero 2

podendo dali sair porque estávamos cercados. O capitão Maia disse-me: ó Lopes, a minha companhia já está aqui instalada, por isso, você, que tem um grupo autónomo, vá ver se consegue furar o cerco. E lá fui, não só uma mas duas vezes, sem sucesso. Na segunda vez, fiquei sob fogo cruzado, do PAIGC e da companhia do capitão Maia, tendo um soldado meu levado um tiro nas costas, do lado dos nossos. Quando o capitão Maia me disse, pela terceira vez, para tentar furar o cerco, disse-lhe que não ia. Que chamasse os T6, o que ele acabou por fazer, e foi assim que dali saímos. Mas o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha, de facto uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores. E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, a professora, uma jovem dos seus 18 anos, pegou na kalashnikov, apesar de eu lhe dizer "firma lá!". Tive de disparar a minha G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o 
Bigodes, o Paulino, de que já falei, quis saltar para cima dela, apesar de ela estar com a barriga aberta com uma rajada. Tive que lhe bater. Mas ele até era um puto porreiro. O que sucede é que, de uma maneira, ou de outra, todos actuávamos como animais. Esta é uma situação que nunca me sai do meu pensamento... e da minha consciência. Percebes, com certeza. Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos miúdos. Trouxemos também (imagina!) uns paramentos completos de um padre católico! Aliás, o Luís Cabral confirmou-me, depois, que havia lá um padre católico.
Mais lembranças, meu amigo. Lembranças que se nos pegaram para toda a vida.
Até à próxima.Um abraço.

A. Marques Lopes

Ver aqui o relatório das: Op INQUIETAR I E INQUIETAR II 




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